Sara e Eu: o romance da esperança. O romance de estreia de Vana Miletto nos traz uma narrativa intrigante: a trajetória de Rodrigo, a saga de um menino que se torna homem precocemente e toda a dificuldade desse duro amadurecimento. O enredo seria comum se não fosse o fato de estarmos diante de uma obra que entrelaça várias tramas trazendo uma atualidade incrível, além de personagens cativantes. Nesse sentido, Sara e eu é uma obra de personagens, seres sofridos, marginalizados, humanos demais e, por isso, nos identificamos e torcemos por eles. Quando fechamos o livro ficamos pensando em cada um, suas jornadas e lutas pessoais, suas dores que se parecem com as nossas e, ao final, refletimos a respeito desse mundo injusto em que estamos, da maldade humana, dos encontros e desencontros de cada dia desejando profundamente que alguém esteja olhando por nós.A força de Sara e eu está em trazer à baila temas bastante pertinentes e que justamente por isso incomodam. Pela obra desfilam corrupção, criminalidade, a problemática do processo de adoção no Brasil, a importância da liberdade de imprensa, a urgente questão de gênero e, mais do que isso, a sobrevivência em um país extremamente desigual, precário de oportunidades que oprime nossas crianças e as joga numa selva de pedras onde impera a lei dos mais fortes. Nossos heróis são sobreviventes de um universo decadente que os engole e aprisiona, mas também são lutadores que vencem a batalha da existência e nos brindam como uma lição de força, solidariedade e pureza de sentimento pelo outro. Toda essa luta nos é narrada por uma prosa solta que instiga, que não nos deixa fechar o livro. Silvana Lemes escreve fácil, sua tinta é atraente e a condução gentil de uma narração em primeira pessoa faz com que o livro exprima fluidez e, assim, atraia o leitor para o surpreendente desfecho. Rodrigo nos conta sua história, o curso de sua vida desde a infância até o momento em que se torna adulto e dá uma reviravolta em sua vida. A narrativa a que temos acesso é o livro que Rodrigo escreve como um grito de socorro. Dessa forma, temos o livro dentro de um livro, em outras palavras, não estamos mais acessando a obra de Vana Miletto, mas sim o relato pungente de Rodrigo, o seu apelo, a voz que nos guia é a dele. Temos a impressão que Rodrigo salta do livro e transforma sua condição de personagem em ser de carne e osso que vive, que sofre, que ama e que, acima de tudo, sonha. A inteligente escolha metalinguística imprime ainda mais cor à obra de Silvana que passa de uma mera narrativa dramática a um relato de experiências cujo pano de fundo é bastante verdadeiro e contemporâneo. O livro trata de questões nossas, do nosso tempo, do nosso interesse que bradam por discussões e clamam por soluções prementes. Não é à toa que mesmo depois de finalizada a obra, esses seres ficcionais povoam nossos pensamentos como indivíduos ao redor, fazendo-nos questionar acerca do nosso papel no coletivo, da nossa relevância social enquanto agentes transformadores do nosso entorno. O que fazemos com e por nossas crianças? O que propomos para melhorar a comunidade em que estamos inseridos? Como tratamos os menos favorecidos? Como lidamos com a lama da corrupção que assola nossa nação? Qual a perspectiva de futuro num meio de privilégios e parcialidade? Qual é o sentido de esperança que mantemos em nossos corações e mentes hoje em dia? Sara e eu suscita todos esses questionamentos e tantos outros pertinentes e de urgente tratativa. Numa prosa ora detalhista ora direta, mas sempre com belas e inusitadas descrições da paisagem paulista e carioca, o narrador nos conduz a seu meio com a mão delicada de quem não quer apenas mostrar o que viveu e sim o que experimentou nos fazendo caminhar a seu lado, enxergando o mesmo que ele vê. Dessa forma, o papel do leitor passa de mero espectador dos fatos narrados para testemunha daquilo que Rodrigo vivenciou. (..