Este livro tem origem em uma necessidade: compreender a dita lógica dialética ou o método dialético de Hegel. A dialética do Senhor e do Escravo é incompreensível. O senhor deseja ser reconhecido como tal pelo escravo e este reconhece aquele, conduzindo a uma superação das qualidades de cada um deles. Mas a relação social escravista é objetiva, certamente compreendida subjetivamente, mas se saber senhor ou escravo em nada altera a relação. O senhor impõe essa sua situação a todos os outros por meio da força. A relação social escravismo produz uma cultura, um modo de pensar e viver em que as partes são legitimadas. Trata-se, de fato, de uma dialética? Senhor é antagônico ao escravo e vice-versa na relação escravista. Sendo relação, as partes não são qualidades ou predicados contrários, estas são complementares. Logo, não há contradição entre as partes, estas são incompatíveis entre si, uma não pode estar no lugar da outra.
Dediquei-me a estudar a Ciência da Lógica, utilizando as traduções em francês, inglês e italiano, pois não domino o alemão. Não se trata de um tratado de lógica, mas de uma exposição que pretende fundamentar a logicidade, a racionalidade, que desde o início é Deus ou o Espírito Absoluto. Assim, o leitor precisa admitir a teologia defendida por Hegel para apreender as suas razões. Podemos, por certo, abstrair essa teologia, estudar os argumentos sem evocar aquele fundamento. Assim fazendo, nos deparamos, logo na exposição da Doutrina do Ser, uma oposição abstrata: ser e o isto (Dasein), o qual é o completo, pois apresenta o que falta no ser para este ser pleno: os limites no espaço e no tempo. O ser em si e por si é o nada, pois é carente de limites, o que se encontra no isto (Dasein). Ora, esse esquema em nada se parece com a situação dialética, em que se decide o predicado ou a qualidade pode ser atribuída ao sujeito da proposição. Por exemplo, alguém é acusado de homicídio. Pergunta: X é homicida ou não é homicida? Essa disjuntiva requer a exclusão de uma delas ou, no limite, concluir ser impossível decidir.
O esquema argumentativo de Hegel é a divisão ou dissociação de noção, como mostro aqui. Apresentei essa caracterização da filosofia hegeliana no Congresso da Associação Latino-Americana de Filosofia da Educação (Campinas, agosto de 2011) e a publiquei em TrajEthos (3(2), 79-95, 2014; ISSN 2291-9805) sob título "Dissociação de Noções: Operador que Estrutura o Sistema Filosófico Hegeliano".
Ao compreender que Hegel, como muito outros, denominou dialética o procedimento de divisão ou dissociação de noções, foi possível expor a sua filosofia que se sustenta em metáforas orgânicas (crescimento de plantas ou da pessoa humana) que permitem estabelecer o percurso do termo I ao termo II, em que o primeiro é carente das qualidades que se encontram no segundo. Essa concepção se aplica para dizer o processo histórico, em que o atual é a culminância dos eventos prévios. Essa filosofia da história se sustenta na metáfora percurso determinado e determinista cujo referente ou fonte dos significados é algo material, geralmente orgânico.