Descrição de Caldeirão de Cláudio Aguiar - No arraial de Caldeirão, no Vale do Cariri cearense, camponeses, liderados pelo beato José Lourenço, seguidor do Padre Cícero, edificam uma comunidade baseada no regime socialista dos primitivos cristãos. Após a Intentona Comunista de 1935, as forças militares do Ceará organizam expedição para destruir o arraial a ferro e fogo. Os camponeses resistem, porém, são desalojados da comunidade pela força. O ministro da guerra do Governo Vargas autoriza o uso da aviação e, pela primeira vez na América do Sul, civis são bombardeados por aviões, quase ao mesmo tempo em que ocorria a tragédia de Guernica, em Espanha, imortalizada por painel de Picasso. Caldeirão passou a ser uma espécie de novo Canudos em pleno século XX, inclusive pelo genocídio que ali se perpetrou de maneira cruenta. A propósito deste livro de Aguiar, escreveu o crítico Franklin de Oliveira: "Não estou entre os que consideram Sargento Getúlio uma espécie de Os Sertões reescrito. Diante do sertanejo de carne e osso, Euclides mantinha uma posição ambígua. Ele aderiu ao homem do sertão enquanto entidade abstrata, e só João Ubaldo está no polo oposto. O homem da sertania, simbolizado no sargento que dá nome ao seu romance, é o homem concreto. Por outro lado, a linguagem de João Ubaldo não ostenta nenhum artificialismo erudito. Ela é arrancada da oralidade sertaneja, das fontes mais genuínas da fala rural. Se, como Euclides, João Ubaldo tende para o épico, ao seu senso da epopéia ele acrescenta o friso picaresco, coisa que nem de longe é encontrável em Os Sertões. E João Ubaldo opõe a estória à história no sentido de que sua ficção aponta para um mundo como ele não deveria ser. Cláudio Aguiar faz um caminho inverso: ele parte da história para a estória. A sua é uma ficção historicizada. A história das grandes insurreições rurais brasileiras apresenta três momentos decisivos: Canudos, Contestado e Caldeirão. É desse terceiro momento da luta dos brasileiros espoliados pelo latifúndio que Aguiar extrai sua matéria romanesca. Num pedaço de terra árida camponeses cavam reservatórios de água, canalizam rios, levantam barragens, irrigam o solo, lançam sementes, montam engenhos, socializam o trabalho. Da terra calcinada surge o milagre das colheitas fartas. Ali não há mais gente triste, faminta e necessitada. As mulheres tornaram-se belas, as crianças felizes. Caldeirão não podia continuar: era um desafio à selvagem estrutura agrária do Nordeste. E sua gente foi massacrada - 40 anos depois de Canudos, repetia-se, na chapada do Araripe. É a história desse genocídio que compõe a estória de Cláudio Aguiar. E ele a reconstitui no tom maior da epopéia. Em Caldeirão a trama estilística é menos densa do que em Sargento Getúlio, mas só por má fé pode-se dizer que Cláudio Aguiar é um epígono de Guimarães Rosa. Sua influência se faz sentir na estruturação da frase de Aguiar, mas sem assumir a feição de dependência estilística. A verdade social, que nele se instala, comunica a Caldeirão uma qualidade transliterária ausente na maioria dos nossos romancistas, politicamente neutros. A linha dos romances que criam espaço para os heróis verticais encontra forte expressão na arte de narrar de Cláudio Aguiar. Como em Sargento Getúlio, em Caldeirão a psicologia dos personagens está dialeticamente ligada a toda uma estrutura social. Em consequência, a subjetividade é dinâmica, e não estática. Ela enriquece a intencionalidade política de Caldeirão - intencionalidade que se manifesta com o mesmo vigor em A Expedição Montaigne, de Antônio Callado. Não se argua que esta intencionalidade é nociva à validade artística da obra romanesca. No Brasil de aqui e agora o sentido político da obra de arte é uma exigência de sua fidelidade ao homem e ao seu destino." (Trecho de Artigo de Franklin de Oliveira, publicado na Folha de S. Paul